por Walmir Brelaz (*)
Quando o Supremo Tribunal Federal, na quinta-feira do dia 4 de junho de 2009, deu provimento ao recurso extraordinário de Maria do Carmo, estava encerrando um processo judicial extremamente dinâmico, controverso e, sobretudo, emocional, na medida em que aguçou nas pessoas envolvidas intensos sentimentos.
Foi, metaforicamente, uma guerra de várias batalhas, contando com diversos ataques, defesas e decisões de considerável repercussão. Nesse dia, o STF reconheceu o registro da candidatura de Maria, determinando sua diplomação e posse ao cargo de prefeita do município de Santarém, além de lhe permitir a permanência no Ministério Público, já que é promotora de justiça.
Tudo começou exatamente no dia 08 de julho de 2008, quando os adversários de Maria ingressaram com cinco impugnações ao registro de sua candidatura. Poucos sabem, mas foram cinco: duas alegando que Maria não havia se afastado definitivamente do Ministério Público – por exoneração ou aposentadoria – outra sob o argumento de que esta candidata não possuía quitação eleitoral referente à sua candidatura em 2004, e mais duas sob o mesmo argumento de que respondia ação penal por ter supostamente usado recursos públicos para pagamento de propaganda pessoal.
Cinco defesas, também, foram apresentadas por seus advogados: de que Maria não precisava se afastar definitivamente do Ministério Público, uma vez que ingressou antes da Emenda Constitucional 45/2004 e, portanto, possuía direito a reeleição; de regularidade de quitação eleitoral, comprovado com certidão expedida pela própria Justiça Eleitoral; e de não haver crime de promoção pessoal, anexando, inclusive, o arquivamento de tal denúncia pelo Tribunal de Justiça do Pará.
No dia 10 de agosto, o juízo da 83ª Zona de Santarém julgou improcedentes as ações, deferindo o registro da candidatura de Maria do Carmo.
Três dias se passam e os opositores ingressaram com recurso ordinário ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará, porém, apenas contra a decisão sobre desincompatibilização do MP, demandando a apresentação de nova defesa, aliás, defesas são reações lógicas das ações judiciais.
Em 6 de setembro de 2008, o TRE-PA julgou improvido o recurso ordinário, mantendo a decisão da Justiça de Santarém.
Já no dia 9 daquele mês, eles, somado agora com o Ministério Público Eleitoral, ingressaram com recurso especial perante o Tribunal Superior Eleitoral.
Registre-se que uma Resolução do TSE estabelecia o dia 25 de setembro de 2008 como prazo para que todos os processos envolvendo registros de candidaturas deveriam estar julgados. Mas isso não aconteceu e sem que ninguém fosse responsabilizado.
Chegou o dia das eleições, 5 de outubro, e Maria, com o registro reconhecido nas duas instâncias eleitorais paraense concorreu. Concorreu e venceu com mais de 52% dos votos válidos.
Porém, pouco antes da data da diplomação, no inesquecível dia 16 de dezembro de 2008, o TSE deu provimento ao recurso especial para indeferir o registro da candidatura de Maria do Carmo, determinando a realização de novas eleições com regras a serem ditadas pelo TRE-PA.
A partir desse momento, os papéis se inverteram: Maria deixou à defensiva e partiu para o ataque, com a difícil missão de modificar a decisão do TSE. E assim, dia 18 de dezembro, seus advogados ingressaram com recurso extraordinário junto ao STF – protocolado no TSE – requerendo a reforma da decisão; simultaneamente, ingressaram com ação cautelar inominada para que o Supremo Tribunal atribuísse efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo a decisão do TSE e possibilitando a diplomação de Maria.
Nesse mesmo dia, ocorria a diplomação dos eleitos, com angustiante ausência da prefeita reeleita. E no ultimo dia do ano passado, o ministro Cezar Peluso resolveu não reconhecer a ação cautelar, sob o argumento da necessidade do despacho de admissibilidade do recurso extraordinário proposto por Maria no próprio TSE, algo previsível.
A tarefa seria, então, conseguir o necessário despacho de admissibilidade a ser proferido pelo presidente do TSE, Carlos Ayres Britto. O que só ocorreu em 26 de fevereiro de 2009. A partir daí o processo passaria a tramitar na ultima instância do Poder Judiciário brasileiro. Sim ou não, caberia ao Supremo a última palavra sobre o caso.
Antes mesmo dos autos chegaram ao STF, Maria ingressou com ação cautelar para dar efeito suspensivo à decisão do TSE, requerendo a suspensão da nova eleição até decisão de mérito e a sua imediata posse até o final do processo.
Paralelamente, o TRE-PA aprovou a Resolução dispondo sobre as regras da nova eleição a ser realizada no dia 8 de março de 2009, impedindo, porém, candidaturas de secretários da gestão de Maria. Mais um duro golpe, já que estes seriam, em tese, os candidatos com melhor potencial eleitoral.
Para sustar essa decisão, o Partido dos Trabalhadores de Santarém, no dia 28 de março, ingressou com mandado de segurança no TSE contra o TRE-PA. Sendo o mesmo parcialmente concedido no dia 12 de fevereiro, para permitir a candidatura de servidores da Administração anterior, obrigando o TRE-PA a editar nova Resolução, inclusive estendendo a da eleição para o dia 5 de abril de 2009.
Nesse processo eleitoral, houve mais uma decisão contra o grupo da prefeita reeleita: a Justiça Eleitoral de Santarém proibiu que Maria fizesse campanha, pessoalmente ou através do uso de sua imagem. Contra esse ato, no dia 11 de março de 2009 o PT mais uma vez ingressou com mandado de segurança, sendo a liminar concedida, no dia seguinte, pelo juiz Paulo Jussara para suspender os efeitos da liminar de 1º grau.
A campanha da nova eleição se realizava em aparente normalidade, até ser interrompida, no dia 12 de março, pela decisão liminar da ministra Ellen Gracie nos autos da ação cautelar. Seria suspensa até o julgamento do mérito do recurso extraordinário.
Com mais de três meses de tramitação, no dia 4 de junho de 2009, finalmente, o STF julgou favorável o recurso proposto por Maria. Um histórico julgamento de aproximadamente duas horas que exigiu entusiasmados debates dos ministros e ministras, até o seu julgamento derradeiro com ganho de causa à prefeita.
Da data da impugnação do registro de Maria do Carmo até o julgamento final do STF foram exatos 331 dias. Momento tenso, desgastante, em que se fez o possível para devolver à Maria um mandato adquirido legitimamente através de 77.458 votos.
Enquanto tudo acontecia, o rio Tapajós resolveu serenamente dar seu passeio anual pelas ruas de Santarém, ocupando espaços da cidade que julga serem seus por natureza.
Que a hora do retorno ao nível se aproxime e que o rio siga o curso em seu leito normal. Enfim.
* É advogado, assessor do deputado estadual Carlos Martins, residente em Belém. Escreve regularmente no blog.
Foi, metaforicamente, uma guerra de várias batalhas, contando com diversos ataques, defesas e decisões de considerável repercussão. Nesse dia, o STF reconheceu o registro da candidatura de Maria, determinando sua diplomação e posse ao cargo de prefeita do município de Santarém, além de lhe permitir a permanência no Ministério Público, já que é promotora de justiça.
Tudo começou exatamente no dia 08 de julho de 2008, quando os adversários de Maria ingressaram com cinco impugnações ao registro de sua candidatura. Poucos sabem, mas foram cinco: duas alegando que Maria não havia se afastado definitivamente do Ministério Público – por exoneração ou aposentadoria – outra sob o argumento de que esta candidata não possuía quitação eleitoral referente à sua candidatura em 2004, e mais duas sob o mesmo argumento de que respondia ação penal por ter supostamente usado recursos públicos para pagamento de propaganda pessoal.
Cinco defesas, também, foram apresentadas por seus advogados: de que Maria não precisava se afastar definitivamente do Ministério Público, uma vez que ingressou antes da Emenda Constitucional 45/2004 e, portanto, possuía direito a reeleição; de regularidade de quitação eleitoral, comprovado com certidão expedida pela própria Justiça Eleitoral; e de não haver crime de promoção pessoal, anexando, inclusive, o arquivamento de tal denúncia pelo Tribunal de Justiça do Pará.
No dia 10 de agosto, o juízo da 83ª Zona de Santarém julgou improcedentes as ações, deferindo o registro da candidatura de Maria do Carmo.
Três dias se passam e os opositores ingressaram com recurso ordinário ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará, porém, apenas contra a decisão sobre desincompatibilização do MP, demandando a apresentação de nova defesa, aliás, defesas são reações lógicas das ações judiciais.
Em 6 de setembro de 2008, o TRE-PA julgou improvido o recurso ordinário, mantendo a decisão da Justiça de Santarém.
Já no dia 9 daquele mês, eles, somado agora com o Ministério Público Eleitoral, ingressaram com recurso especial perante o Tribunal Superior Eleitoral.
Registre-se que uma Resolução do TSE estabelecia o dia 25 de setembro de 2008 como prazo para que todos os processos envolvendo registros de candidaturas deveriam estar julgados. Mas isso não aconteceu e sem que ninguém fosse responsabilizado.
Chegou o dia das eleições, 5 de outubro, e Maria, com o registro reconhecido nas duas instâncias eleitorais paraense concorreu. Concorreu e venceu com mais de 52% dos votos válidos.
Porém, pouco antes da data da diplomação, no inesquecível dia 16 de dezembro de 2008, o TSE deu provimento ao recurso especial para indeferir o registro da candidatura de Maria do Carmo, determinando a realização de novas eleições com regras a serem ditadas pelo TRE-PA.
A partir desse momento, os papéis se inverteram: Maria deixou à defensiva e partiu para o ataque, com a difícil missão de modificar a decisão do TSE. E assim, dia 18 de dezembro, seus advogados ingressaram com recurso extraordinário junto ao STF – protocolado no TSE – requerendo a reforma da decisão; simultaneamente, ingressaram com ação cautelar inominada para que o Supremo Tribunal atribuísse efeito suspensivo ao recurso especial, suspendendo a decisão do TSE e possibilitando a diplomação de Maria.
Nesse mesmo dia, ocorria a diplomação dos eleitos, com angustiante ausência da prefeita reeleita. E no ultimo dia do ano passado, o ministro Cezar Peluso resolveu não reconhecer a ação cautelar, sob o argumento da necessidade do despacho de admissibilidade do recurso extraordinário proposto por Maria no próprio TSE, algo previsível.
A tarefa seria, então, conseguir o necessário despacho de admissibilidade a ser proferido pelo presidente do TSE, Carlos Ayres Britto. O que só ocorreu em 26 de fevereiro de 2009. A partir daí o processo passaria a tramitar na ultima instância do Poder Judiciário brasileiro. Sim ou não, caberia ao Supremo a última palavra sobre o caso.
Antes mesmo dos autos chegaram ao STF, Maria ingressou com ação cautelar para dar efeito suspensivo à decisão do TSE, requerendo a suspensão da nova eleição até decisão de mérito e a sua imediata posse até o final do processo.
Paralelamente, o TRE-PA aprovou a Resolução dispondo sobre as regras da nova eleição a ser realizada no dia 8 de março de 2009, impedindo, porém, candidaturas de secretários da gestão de Maria. Mais um duro golpe, já que estes seriam, em tese, os candidatos com melhor potencial eleitoral.
Para sustar essa decisão, o Partido dos Trabalhadores de Santarém, no dia 28 de março, ingressou com mandado de segurança no TSE contra o TRE-PA. Sendo o mesmo parcialmente concedido no dia 12 de fevereiro, para permitir a candidatura de servidores da Administração anterior, obrigando o TRE-PA a editar nova Resolução, inclusive estendendo a da eleição para o dia 5 de abril de 2009.
Nesse processo eleitoral, houve mais uma decisão contra o grupo da prefeita reeleita: a Justiça Eleitoral de Santarém proibiu que Maria fizesse campanha, pessoalmente ou através do uso de sua imagem. Contra esse ato, no dia 11 de março de 2009 o PT mais uma vez ingressou com mandado de segurança, sendo a liminar concedida, no dia seguinte, pelo juiz Paulo Jussara para suspender os efeitos da liminar de 1º grau.
A campanha da nova eleição se realizava em aparente normalidade, até ser interrompida, no dia 12 de março, pela decisão liminar da ministra Ellen Gracie nos autos da ação cautelar. Seria suspensa até o julgamento do mérito do recurso extraordinário.
Com mais de três meses de tramitação, no dia 4 de junho de 2009, finalmente, o STF julgou favorável o recurso proposto por Maria. Um histórico julgamento de aproximadamente duas horas que exigiu entusiasmados debates dos ministros e ministras, até o seu julgamento derradeiro com ganho de causa à prefeita.
Da data da impugnação do registro de Maria do Carmo até o julgamento final do STF foram exatos 331 dias. Momento tenso, desgastante, em que se fez o possível para devolver à Maria um mandato adquirido legitimamente através de 77.458 votos.
Enquanto tudo acontecia, o rio Tapajós resolveu serenamente dar seu passeio anual pelas ruas de Santarém, ocupando espaços da cidade que julga serem seus por natureza.
Que a hora do retorno ao nível se aproxime e que o rio siga o curso em seu leito normal. Enfim.
* É advogado, assessor do deputado estadual Carlos Martins, residente em Belém. Escreve regularmente no blog.
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